quarta-feira, 5 de agosto de 2009

EM DEBATE: Marcas da Guerrilha do Araguaia

“Eu participava do movimento estudantil. Os sindicatos foram desmantelados. A censura à imprensa. Então, quando você é jovem você tem um sonho: o de transformar o Brasil!”. Este é um trecho da história de Victoria Grabois, que em 1965, tinha 21 anos, época em que foi morar em uma pequena cidade próxima à Rondonópolis, no oeste do Mato Grosso. Ela participava de um grupo de guerrilheiros. Eles tentavam encontrar um local para estabelecer uma organização de resistência à ditadura militar.
Em 1966, o pai de Victoria e comandante da guerrilha, Maurício Grabois, o irmão, André Grabois, e o marido na época, Gilberto Olímpio Maria, foram para a região escolhida, próximo à Marabá, no Pará, onde teve início a Guerrilha do Araguaia. Victoria teve que ficar em São Paulo, estava grávida.
Composta por militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), a guerrilha foi duramente reprimida pelos militares na primeira metade da década de 1970. Pelo menos 70 pessoas foram presas, torturadas e desapareceram na região.
Em entrevista à Radioagência NP, Victoria afirmou que, mesmo com as novas buscas pelos corpos dos militantes no Araguaia, não existe real interesse do governo em descobrir o passado em torno da guerrilha.
Radioagência NP – Victoria, ao falar o nome Guerrilha do Araguaia, qual é a primeira coisa que vem à sua mente?
Victoria Grabois – A figura do meu pai. Vem também dor, tristeza, angústia e impotência. É muito duro.
RNP – Quando você veio para São Paulo, conseguiu manter contato com seus familiares que foram para a região do Araguaia?

VG – Até 1976 recebíamos notícias. A partir daí não. Gerava angústia, porque você viver na clandestinidade gera sempre angústia. Você não sabe o que está acontecendo. Só fiquei sabendo da morte do André em 1973. Foi chocante! Não tinham certeza se meu pai e o Gilberto haviam morrido também. Não tive mais notícias.

RNP – Qual sua opinião sobre o novo grupo de trabalho formado por militares e legistas para achar a ossada dos mortos no Araguaia?
VG – Eles dizem que é para cumprir a sentença da juíza [Solange Salgado da 1ª Vara Federal de Brasília], mas não é para isso, porque a juíza deu essa sentença em 2003 e eles não fizeram nada. Agora, como já tínhamos uma ação na Comissão Interamericana de Direitos Humanos desde 1995 e, em outubro do ano passado, a Comissão resolveu encaminhar o nosso processo para a Corte [Interamericana], vai ter uma repercussão internacional contra o Brasil. Por isso, resolveram fazer alguma coisa. E nós queremos a presença do Ministério Público. O Exército matou e lutou contra a guerrilha, como ele é o órgão que está sendo responsável por essa procura no Araguaia?

RNP – As escavações começam agora em agosto. Qual é a sua expectativa?

VG – Eles vão mostrar para a Corte que fizeram alguma coisa. Dizer que foram lá e cumpriram a sentença da juíza. Mas, se eles vão achar é outra história. Já foram inúmeras expedições à região da guerrilha. Sendo que eu participei da primeira e da segunda, em 1980 e em 1991 respectivamente. Quer dizer, tudo o que eles estão falando, os locais que eles dizem que tem guerrilheiros enterrados, já sabíamos disso desde 1980.


RNP – O que pode dizer sobre a atuação do Estado brasileiro perante o caso da guerrilha?

VG – Essa operação [na região] tinha que ser comandada pela Comissão dos Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos criada pela Lei 9.140. Esse é o pressuposto da lei. Quando chega agora, o governo brasileiro passa por cima de uma lei. Então, o Brasil, em nome da governabilidade, não tem interesse político em resolver essa questão.


RNP – Para finalizar Victoria, você acredita na versão dos militares de que os corpos foram queimados em 1975?

VG – Não. Acredito que muitos foram enterrados em lugares que já tínhamos descobertos e acredito que eles [militares] devem ter mudado de lugar. Mas, eles sabem para onde levaram [os corpos], basta eles dizerem. O que eles deveriam fazer é abrir os arquivos secretos do Exército, porque se isso acontecer, você vai ver as barbaridades que eles cometeram. Depois de prenderem 41 guerrilheiros, eles os fuzilaram. Não convém ao exercito divulgar um fato como esse.


De São Paulo, da Radioagência NP, Desirèe Luíse.
31/07/09

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