quarta-feira, 2 de setembro de 2009

OS FILHOS DO EXÍLIO

Os filhos do exílio

Publicado em 29.08.2009 no JC- Caderno Política
Paulo Augusto e Sérgio Montenegro Filho politica@jc. com.br

Longe dos amigos, dos vizinhos, do verdadeiro lar. O exílio ou a clandestinidade, antes de qualquer um dos muitos males conhecidos, despertam no cidadão um sentimento único e doloroso: o de ser um excluído da sociedade. Esse é um pensamento unânime dos filhos de políticos e militantes exilados ou perseguidos pelo regime de exceção pós-64. Eles não são, porém, tão unânimes ao analisar a Lei de Anistia, promulgada em 28 de agosto de 1979, que permitiu aos seus pais deixar os esconderijos ou voltar ao Brasil. Esse é o tema da segunda reportagem da série sobre os 30 anos da Anistia, que o JC publica até amanhã.

Para os que já eram nascidos, frequentavam escolas e mantinham laços de amizade, o susto foi maior. Deixar tudo para trás sem entender o que estava realmente acontecendo. Para os que nasceram na clandestinidade, porém, o sofrimento não foi menor. Desconhecidos apareciam do nada e, de repente, a família mudava novamente de casa.
“Ficamos entre Pernambuco e Alagoas. Eu nasci em Carpina, em 72, numa granja onde amigos deixaram minha família se esconder por uns tempos. Minha mãe ensinou a mim e meus irmãos a ler e escrever com uma lista telefônica. Só tive casa, mesmo, depois da anistia, em 79”, relembra o sindicalista Diogo Sales, filho do também sindicalista José Sales, já falecido. Sales pai presidia o então fortíssimo Sindicato dos Tecelões de Moreno, era militante do MDB e se opunha ao grupo político de Constâncio Maranhão, empresário local. Com o golpe, houve a intervenção no sindicato e ele passou a ser procurado vivo ou morto. “Ele pegou minha mãe e meu irmão mais velho, que tinha quatro meses, e fugiu. Não podia trabalhar porque era conhecido aliado de Miguel Arraes”, conta Diogo, cujo pai sobreviveu até a anistia como feirante, mudando de cidade em cidade.

Para o médico e pesquisador Luiz Arraes, a situação era menos perigosa, mas não menos estranha. “Nenhum argumento me convencia de ter o pai preso. Só depois entendi a luta dele e a lógica daquilo”, diz o filho de Miguel Arraes, deposto em 1964 e exilado no ano seguinte, na Argélia. Junto com alguns dos nove irmãos, Luiz ficou morando com uma tia, e só seguiu ao encontro do pai em 1969. “Apesar da Argélia ser ocidentalizada na época, tinha cultura de país árabe. O choque foi grande”, conta Luiz.

Quem também voltou ao Brasil antes da família foi o hoje secretário estadual de Articulação Regional, Waldemar Borges Neto. Filho do deputado estadual cassado em 1969 Waldemar Borges Filho, o Deminha, ele rumou ao encontro da família para o Paraguai, e de lá para os Estados Unidos, onde o pai, ex-professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco, recebera oferta para trabalhar na Organização dos Estados Americanos (OEA). “O exílio desagregou um pouco a família. Eu voltei antes dos meus pais, uma irmã casou com um estrangeiro, outra foi morar no Chile”, explica Wal, que assim que retornou ao Brasil, após a anistia, filiou-se ao MDB e seguiu os passos do pai na militância política.

Filho de Francisco Julião, o sociólogo Anatólio Julião foi para o exterior antes mesmo do golpe, em 1962, para estudar em Cuba – atendendo a um convite de Fidel Castro ao pai. Anatólio tinha 12 anos. “Fomos os primeiros exilados do País, pois já estávamos fora quando aconteceu o golpe”, conta. A decisão de sair do Brasil já tinha a ver com questões políticas. “Meu pai sofria ameaças de morte e sequestros. Viu no convite de Fidel uma boa chance de reduzir essas preocupações. Mas foi difícil.”

EXÍLIO AFETIVO

De acordo com a psicóloga Danielle Diniz, a privação do afeto é o primeiro sentimento presente no exilado. “É o sentimento de não-pertença. Você está num lugar como um estrangeiro, como alguém que não pertence àquele país, por melhor que a pessoa tenha sido acolhida”, explica. Segundo as palavras da psicóloga, “é um exílio político e também afetivo”. Por mais que dure, a vida no exílio também é formada por incertezas. Por isso, “vive-se com baixo-estima e não se consegue criar vínculos fortes. Os vínculos reais foram rompidos”.

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